A Interposição Fraudulenta Presumida e as Instruções Normativas Nº 228/2002 e 1.169/2011

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É comum que empresas atuantes no ramo de importação sejam submetidas à fiscalização. Nesse passo, importantes breves considerações acerca da infração denominada interposição fraudulenta presumida, comumente imputada aos contribuintes de forma totalmente à margem da lei.

Importa anotar, entretanto, que são brevíssimas considerações, até mesmo pelo espaço, sem nenhuma pretensão de esgotar o tema, que precisa ser muito debatido e, principalmente, enfrentado com mais vigor pelo Poder Judiciário, que não pode ficar inerte aos desmandos fiscais.

O objetivo é apenas o de alertar os importadores, que devem sempre agir de forma preventiva para que não tenham suas atividades paralisadas por retenção de bens.

A infração aduaneira denominada interposição fraudulenta se subdivide em: i) comprovada (ocultação – art. 23, V, Decreto-Lei 1.455/72); ii) presumida (art. 23, §2º, Dec-Lei 1.455/76).

Aqui, a atenção será voltada à interposição fraudulenta presumida, figura jurídica sui generis.

 Dessa forma, em linhas gerais, quando uma pessoa jurídica não comprova a origem, a disponibilidade e a transferência dos recursos empregados na operação de comércio exterior, o Fisco presume que houve interposição fraudulenta e decreta o perdimento aos bens (e demais penalidades eventualmente cabíveis).

A questão parece simples, mas se torna complexa quando se indaga: em que momento e de que forma o Fisco pode simplesmente presumir a infração e decretar o perdimento aos bens, exceção ao direito constitucional de propriedade?

Nesse passo, as Instruções Normativas passaram a ser o meio utilizado pelo Fisco e, por óbvio, elas não guardam consonância com o ordenamento jurídico.

AS INSTRUÇÕES NORMATIVAS Nºs 228/2002 E 1.169/2011

O Decreto-Lei nº 1.455/76 disciplina que as infrações (em especial, as do art. 23, objeto desse estudo) serão apuradas em processo administrativo, decidido em instância única.

Sem ingressar na seara da discussão sobre a recepção de referido Decreto-Lei pela Constituição Federal, tampouco sem discutir a constitucionalidade da pena de perdimento administrativa, o fato é que antes da lavratura do Auto de Infração, a Autoridade Fiscal realiza procedimentos tendentes a apurar a suposta infração.

Em especial, realiza-se o procedimento especial de fiscalização e o procedimento especial de controle aduaneiro. Note-se, por relevante: procedimento.

A Instrução Normativa nº 228, de 21 de outubro de 2002, “dispõe sobre procedimento especial de verificação da origem dos recursos aplicados em operações de comércio exterior e combate à interposição fraudulenta de pessoas.”

A Instrução Normativa nº 1.169, de 29 de junho de 2011, “Estabelece procedimentos especiais de controle, na importação ou na exportação de bens e mercadorias, diante de suspeita de irregularidade punível com a pena de perdimento.”

Em linhas gerais, o procedimento previsto na IN/SRF nº 228/2002 é mais abrangente, tendo como foco determinada pessoa jurídica. O procedimento previsto na IN/SRF nº 1.169/2011 tem como foco determinada operação, ou determinadas operações, onde haja suspeita de infração punível com perdimento de bens.

Muitas das vezes, todavia, o Fisco fundamenta o início do procedimento numa determinada legislação e, de fato, realiza outra fiscalização. Exemplo flagrante é a submissão ao procedimento especial de controle aduaneiro (IN 1.169/2011) e solicitação de todos os documentos de todas as operações pregressas da Empresa. E submissão de todas as Declarações de Importação registradas ao indigitado procedimento. Uma das razões para tal proceder estaria no fato de que, se realizado o procedimento especial de fiscalização, as mercadorias poderiam ser liberadas com garantia, o que é hipótese restrita no procedimento especial de controle aduaneiro.

No entanto, como se sabe, a Administração Pública não pode usar de subterfúgios em detrimento do contribuinte.

Nesse passo, evidentemente que Instrução Normativa não poderia vir a disciplinar as restrições ad limine impostas ao contribuinte submetido a procedimento fiscal de exceção.

Entretanto, ambas as Instruções Normativas citadas, de plano, determinam a retenção dos bens.

Tal proceder, de acordo com o Fisco, é fundamentado no art. 68, da Medida Provisória nº 2.158-35/2001.

Medida Provisória, no entanto, não é lei. Tem força de lei, mas não é lei. Ademais, nesse ponto em que disciplina a retenção de bens de forma liminar, iniciado o procedimento de fiscalização, há flagrante e indiscutível inconstitucionalidade do dispositivo, na medida em que se apena antes de apurada a infração.

Passa-se, todavia, à famigerada presunção de interposição fraudulenta.

A Fiscalização, em quaisquer dos procedimentos, intima o contribuinte a apresentar diversos documentos, dentre os quais extratos bancários.

Não há ordem judicial para tanto. Mesmo assim, exige-se a quebra do sigilo.

Se o contribuinte fiscalizado deixar de apresentar os extratos bancários, o que lhe é possibilitado pela Constituição Federal, o Fisco, com fundamento em Instrução Normativa, pode presumir a interposição fraudulenta.

Não é difícil a percepção de inversão de valores.

Ora, é dever do contribuinte apresentar à fiscalização livros, documentos, arquivo, mercadorias (art. 195, CTN). A não apresentação constitui infração tributária, por eventual descumprimento de obrigação acessória.

No entanto, prescreve o art. 97, V, do mesmo Código Tributário Nacional que:

Art. 97. Somente a lei pode estabelecer:

V – a cominação de penalidades para as ações ou omissões contrárias a seus dispositivos, ou para outras infrações nela definidas;

Portanto, volta-se ao início, na medida em que não se trata de infração tributária, mas imputação de infração aduaneira, não obstante se utilize o CTN como fundamento para obrigação de exibição dos documentos fiscais.

Pois bem. Exibidos os livros fiscais e não exibidos os extratos bancários, pode o Fisco simplesmente desconsiderar tais documentos e fundamentar a aplicação de eventual penalidade em presunção de interposição fraudulenta?

A resposta é negativa.

Primeiramente, importa notar que a Constituição Federal estabelece que ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal (art. 5º, LIV).

Por devido processo legal, em síntese, entende-se processo conduzido por autoridade competente, com oportunidade de apresentação de defesa, produção de provas e recurso.

As Instruções Normativas citadas descrevem procedimentos, que em tudo se diferenciam de processo.

Os contribuintes submetidos ao procedimento são intimados a apresentar documentos que lhe são solicitados. E só. Há retenção dos bens e, muitas vezes, o Termo de Início do Procedimento sequer traz as fundamentações de fato e de direito pelos quais o contribuinte está sendo submetido ao indigitado procedimento, fazendo meras referências, de forma extremamente genérica, à legislação.

Dessa forma, é imprescindível que o contribuinte seja instruído por advogado ao responder aos questionamentos fiscais e apresentar documentos.

Informe-se!


Escrito por Thaís Guimarães, Advogada, Formada em Direito em 2005 pela UNISAL/SP. Área de Atuação: Direito Aduaneiro e Processual Civil, OAB: 249.279.

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